A Ausência de luta...


"Amado Osho,
Recentemente, ouvi-o dizer que a transcendência da miséria e da confusão da vida pode ocorrer ou através de uma entrega (let-go) ou através de uma luta - contanto que ambos sejam feitos com totalidade. O caminho de Mahavira foi o da luta, e o Seu é o da entrega. Poderia falar mais um pouco da entrega e do relacionamento que ela tem com a inteligência e a responsabilidade? Eu não tenho essa compreensão, e a minha vida parece ser uma confusa mistura de entrega e de luta. A entrega parece ser mais natural, e a luta parece ser mais responsável.

Isso não é somente uma questão sua, é uma questão de todo mundo - uma mistura de entrega e de luta. Mas a sua entrega não é o que eu chamo de entrega; a sua entrega é simplesmente uma atitude derrotista. Basicamente você quer lutar, mas existem situações nas quais você não pode lutar, ou talvez você tenha chegado ao próprio fim da sua energia de luta. Aí então, para encobrir a sua derrota, você começa a pensar em se entregar. A sua entrega não é verdadeira, é falsa.

A verdadeira entrega não é contrária à luta.
A verdadeira entrega é ausência de luta.


E não se pode misturar a verdadeira entrega com atitudes de luta, pela simples razão de que a presença da entrega significa a ausência de uma atitude de luta.
Como você poderia misturar algo que está presente com algo que está ausente? Assim como você não pode misturar luz e escuridão, por maior artista que você possa ser - você não pode misturar luz e escuridão pela simples razão de que a escuridão é somente uma ausência de luz. Você não pode trazê-las juntas; somente uma pode estar presente.

Sendo assim, a primeira coisa a se lembrar é que a atitude básica de todo ser humano é a de lutar. Portanto, não pense nisso como particularmente um problema seu. Isso ajuda-lo-á imensamente a compreender que trata-se de um problema humano. Aí então, você pode manter distância e olhar para aquilo, observá-lo, compreendê-lo.

Lutar é uma atitude básica, porque isso alimenta o ego. Quanto mais você luta, mais o seu ego se torna mais forte. Se você sair vitorioso, o ego tem grande alegria. Você fica dando vida ao ego pelas suas vitórias. Mas, por outro lado, à medida que o ego se torna mais forte, o seu ser vai se afastando cada vez para mais longe de você.

À medida que seu ego se torna mais forte, você vai perdendo a si mesmo. Você pode estar lutando e saindo vitorioso, não sabendo absolutamente que não se trata de um ganho, mas de uma perda. Ensina-se a todas as crianças a lutarem, de diferentes maneiras. A competição é uma luta, ser o primeiro da classe é uma luta, ganhar um troféu num jogo é uma luta... Essas coisas são preparações para a sua vida. Depois luta-se numa eleição, luta-se por dinheiro luta-se por prestígio. Toda essa sociedade está baseada em lutas, competição, briga, na colocação de cada indivíduo contra o todo.

Assim, esta é quase a situação de todo mundo. E aí, você me escuta falar de entrega...

Entrega’ significa ‘nenhuma competição, nenhuma briga, nenhuma luta’... simplesmente relaxar com a existência, aonde quer que ela conduza. Sem tentar controlar o seu futuro, sem tentar controlar as conseqüências, mas permitindo-as acontecerem... sem nem pensar nelas. A entrega está no presente; as conseqüências estão no amanhã. E a entrega é uma experiência tão deleitosa... um total relaxamento, uma profunda sincronicidade com a existência.

Estou me lembrando de uma parábola. Chamo-a de “parábola”, porque ela é tão boa que não pode ser verdade. No Oriente, o nome de Majnu é muito famoso. Trata-se de uma história súfi - talvez não tenha existido ninguém com esse nome, mas a história é relevante, quer o homem tenha existido, ou não. Ele tornou-se o amante simbólico.

Majnu era um jovem pobre, com um tremendo amor e um grande coração, e ele apaixonou-se pela filha do homem mais rico. O casamento não era possível - nem os encontros eram possíveis. Ele podia somente ver de vez em quando, de bem longe, a sua amada, Laila. Mas o boato de seu amor começou a espalhar-se, e o ricaço, o pai de Laila, ficou com medo de que aquilo pudesse denegrir o nome da família e que ele não pudesse encontrar depois um marido correto para a sua filha. Aí, ele saiu da cidade para um país bem distante, onde ninguém saberia nada sobre Majnu.

No dia em partiam, uma grande caravana... - porque ele tinha tanto dinheiro e tantas coisa para levar, que centenas de camelos carregavam as coisas. Majnu estava parado do lado da estrada, ao lado de uma árvore, escondendo-se na folhagem da árvore - porque o pai era muito louco, podia até atirar nele, embora ele não tivesse feito nada; não tinha nem falado com Laila.

Ele estava parado lá só para vê-la pela última vez. Bastava-lhe que ela estivesse feliz e saudável - ...e ele esperaria. Se o seu amor tivesse algum poder, ela voltaria. Havia tremenda confiança nele. Ele tinha visto o amor, a mesma chama que ardia seu coração, nos olhos de Laila também. Laila também estava procurando e olhando por todos os lados, lá do camelo onde viajava. Ela sabia que Majnu deveria estar esperando em algum lugar do caminho, e aí ela o viu escondido debaixo de uma árvore, no meio da sua grossa folhagem. Por um momento, sem uma única palavra ou gesto, eles foram um; e depois a caravana passou.

Mas, para Majnu, o tempo parou ali mesmo. Ele permaneceu parado ao lado da árvore, esperando e esperando. Dizem que passaram-se anos. Laila veio, mas veio um pouco tarde. Ela perguntou; as pessoas responderam: “Nunca mais ouvimos falar dele. Desde que você se foi, ele nunca mais voltou à cidade novamente.”.

Ela correu até a árvore onde o havia deixado. Ele ainda estava lá, mas uma coisa estranha tinha acontecido - ele tinha se tornado um com a árvore. É por isso que eu digo que é uma parábola: é bom demais para ser verdade. Ele relaxou tão completamente, porque não havia mais nada a ser feito, senão esperar. Ele relaxou com a árvore e, devagar, devagarinho, eles começaram a se fundir um no outro. A árvore tornou-se seu alimento; não mais estavam separados, tornaram-se um. Galhos cresciam do seu corpo. Ele não mais estava escondido sob a folhagem; a folhagem estava no seu corpo - belas folhas e lindas e perfumosas flores.

Laila não pôde reconhecê-lo. Mas toda a árvore dizia uma única coisa: “Laila... Laila!”. Ela ficou enlouquecida e perguntando: “Onde você está escondido?”. E a árvore disse: “Eu não estou escondido. Esperando tanto tempo sem fazer nada e apenas estando relaxado, tornei-me um com a árvore. Você veio um pouco tarde.

“O que iria acontecer entre nós, aconteceu entre mim e a árvore. Nós íamos nos tornar um - isso não foi aceitável ao destino, talvez. Mas eu estava preparado para relaxar no momento, sem pensar em quaisquer conseqüências. E eu estou feliz de que você esteja viva, ainda jovem, e mais bela. Mas eu fui embora, para bem longe. Estou imensamente feliz... sozinho, relaxado, numa entrega.”.

Para mim, ‘entrega’ quer dizer que você não mais está lutando por nada na vida, mas dando tudo para que a vida tome conta. Você diz: “A entrega parece ser natural.”. Ela “parece”, somente porque todo o seu condicionamento é contra isso. Vocês têm sido educados, durante milhões de anos, para lutar. Lutando, ou você pode ser derrotado - o que criaria uma ferida, o que criaria a vontade de vingança -; ou você pode ser vitorioso - o que novamente criaria uma outra espécie de ferida. Este é o ego. Em qualquer dos casos você sai perdedor. Derrotado, você perde; vitorioso, você perde. Em ambos os casos você vai para muito longe de si mesmo.

A entrega não foi ensinada às pessoas, porque ela vai contra toda a estrutura da sociedade - que é baseada na competição e na luta, onde todos são seus inimigos. Até mesmo seu amigo é seu inimigo, até mesmo a sua esposa é sua inimiga, até mesmo os seus filhos são seus inimigos... porque todos estão tentando arrancar de você tanto quanto possível.

E a mesma coisa, você está tentando fazer. O mundo de miséria é criado, porque todo mundo está arrancando as coisas dos outros. Não se trata de uma existência pacífica, silenciosa, amorosa - nós ainda somos bárbaros e animalescos.

A entrega é uma abordagem totalmente diferente. Seu primeiro passo é o abandono do ego, lembrando-se de que vocês não estão separados da existência: contra quem então estão lutando? Você não é separado das pessoas: contra quem então você está lutando? Contra si mesmo... e esta é a raiz causal da miséria. Seja contra quem for que você esteja lutando, você está lutando consigo mesmo - porque não há nenhum outro.

A entrega é uma profunda compreensão do fenômeno de que nós somos parte de uma só existência. Nós não podemos produzir egos separados: somos um com o todo. E o todo é vasto, imenso. A sua compreensão ajudará você a seguir com o todo, aonde quer que ele vá. Você não possui uma meta separada do todo, e o todo não tem nenhuma meta. Ele não está indo a algum lugar. Ele está simplesmente acontecendo aqui.

A compreensão da “entrega” o ajuda a ficar simplesmente aqui, sem quaisquer metas, sem nenhuma idéia de alcançar, sem nenhum conflito, batalha, luta, sabendo que seria lutar contra si mesmo - que é simplesmente tolice.

A entrega é uma profunda compreensão.
Ela não é um ato que você deva praticar.

Qualquer ato faz parte do mundo da luta. Aquilo que você tem de fazer vai ser uma luta. A entrega é simplesmente compreensão.

E aí então, vem um silencioso relaxamento, fluência com o rio, desinteressado do aonde ele está indo, desprecupado de que você possa ficar perdido... nenhuma ansiedade, nenhuma angústia... porque você não está separado da totalidade, sendo assim, seja o que for que vá acontecer, vai ser bom.

Com essa compreensão, você vai ver que não há mistura: a compreensão não pode se misturar com a ignorância; o insight dentro da existência não pode se misturar com a cegueira; a consciência-em-si não pode se misturar com a inconsciência-em-si.
E a entrega não pode se misturar com as diferentes espécies de lutas - isso é uma impossibilidade.

Apenas deixe-a afundar dentro do seu coração, e você descobrirá uma nova dimensão desabrochando, na qual cada momento é uma alegria, na qual cada momento é uma eternidade em si mesmo."
Osho em O Livro dos Segredos

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