O Saber e o Amor - Nisargadatta

"Nisargadatta Maharaj:Há o repouso como estado mental (chidaram) e existe o repouso como um estado de ser (atmaram).  O primeiro vem e vai, enquanto o verdadeiro repouso é o próprio coração da ação. Por desgraça, a linguagem é uma ferramenta mental e funciona só com opostos.

Pergunta: Como testemunha, você está trabalhando ou em repouso?
Nisargadatta: Testemunhar é uma experiência, e o repouso é a liberação da experiência.

P: Eles não podem coexistir, como o tumulto das ondas e a quietude das profundezas coexistem no oceano.
Nisargadatta: Além da mente não existe tal coisa como a experiência. A experiência é um estado dual. Você não pode falar da realidade como de uma experiência. Uma vez que isto seja entendido, você não mais verá o ser e o devir como separados e opostos. 
Na realidade são um e inseparáveis, como raízes e ramos da mesma árvore. 
Ambos só podem existir à luz da consciência que, de novo, surge no despertar do sentido de ‘Eu sou’. Este é o fato primário. Se você o perde, perde tudo.

P: A sensação de ser é apenas um produto da experiência? O grande dito (Mahavakya) tat-sat é um mero modo de intelectual?
Nisargadatta: O que quer que se fale é apenas fala. O que quer que se pense é apenas pensamento. O significado real é inexplicável, embora experimentável. O Mahavakya é verdadeiro, mas suas ideias são falsas, pois todas as ideias (kalpana) são falsas.

P: A convicção ‘Eu sou Aquilo’ é falsa?
Nisargadatta: Certamente. A convicção é um estado mental. No ‘Aquilo’ não existe nenhum ‘Eu sou’. Quando surge o sentido de ‘Eu sou’, ‘Aquilo’ é obscurecido, da mesma forma que ao sair o sol as estrelas se apagam. Mas como com o sol vem a luz, assim, com a sensação de ser, vem a felicidade (chidananda). 
A causa da felicidade é buscada no ‘não eu’ e, assim, começa a escravidão.

P: Em sua vida diária você é sempre consciente de seu estado real?
Nisargadatta: Nem consciente, nem inconsciente. Eu não necessito de convicções. Eu moro na coragem. A coragem é minha essência, a qual é amor da vida. Estou livre de recordações e antecipações, sem preocupar-me com o que sou e com o que não sou. Não sou viciado em auto-descrições; soham e brahmasmi (‘Eu sou Ele’, ‘Eu sou o Supremo’) não me servem para nada, porque tenho a coragem de ser como nada e de ver o mundo como ele é, isto é, nada. Soa simples, mas tente-o!

P: Mas, o que lhe dá coragem?
Nisargadatta: Quão distorcido é seu modo de ver! A coragem necessita ser dada? Sua pergunta implica que a ansiedade é o estado normal e que a coragem é anormal. É ao contrário. A ansiedade e a esperança nascem da imaginação – eu sou liberado de ambas. Sou um ser simples e não necessito nada em que me apoiar.

P: A menos que você conheça a si mesmo, de que lhe serve seu ser? Para ser feliz com o que você é, você deve conhecer o que é.
Nisargadatta: O ser brilha como saber, e o saber é cálido no amor. Tudo é um. Você imagina separações e cria problemas para si mesmo com perguntas. Não se interesse demasiadamente em formulações. O ser puro não pode ser descrito.
P: A menos que uma coisa seja cognoscível e agradável, não me servirá para nada. Antes de tudo, deverá tornar-se parte de minha experiência.
Nisargadatta: Você está reduzindo a realidade ao nível da experiência. Como a realidade pode depender da experiência quando é seu próprio fundamento (adhar)? A realidade está no próprio fato da experiência, não em sua natureza. Afinal de contas, a experiência é um estado mental, enquanto ser não é de nenhum modo um estado mental.

P: Outra vez estou confuso! O ser está separado do conhecer?
Nisargadatta: A separação é uma aparência. Exatamente como o sonho não está separado do sonhador, assim o conhecer não está separado do ser. O sonho é o sonhador, o conhecimento é o conhecedor, a distinção é meramente verbal.
P: Agora posso ver que sat e chit são um. Mas o que acontece com ananda? O ser e a consciência sempre estão juntos, mas a felicidade apenas brilha ocasionalmente.
Nisargadatta: O estado despreocupado do ser é felicidade; o estado perturbado é o que aparece como o mundo. Na não dualidade há felicidade; na dualidade – experiência. O que vem e vai é a experiência com sua dualidade de prazer e dor. A felicidade não é para ser conhecida. Sempre se é felicidade, mas nunca se é abençoado. A felicidade não é um atributo.

P: Tenho outra pergunta a fazer. Alguns Iogues alcançam sua meta, mas ela não serve para os outros. Eles não sabem ou não são capazes de compartilhar com os demais. Aqueles que podem compartilhar o que têm iniciam outros. Onde está a diferença?
Nisargadatta: Não há diferença. O seu ponto de vista é incorreto. Não há outros a quem ajudar. Um homem rico, quando transfere toda sua fortuna para sua família, não terá nem uma moeda para dar a um mendigo; do mesmo modo é o sábio (gnani), despido de todos seus poderes e posses. Nada, literalmente nada, pode ser dito dele. Ele não pode ajudar ninguém porque ele é todos. Ele é o pobre e também sua pobreza, o ladrão e também seu roubo. Como se pode dizer que ele ajuda quando não está separado? Aquele que se pensa como separado do mundo que o ajude.

P: Ainda assim há dualidade, aflição, há a necessidade de ajuda. Denunciá-lo como mero sonho não serve para nada.
Nisargadatta: A única coisa que pode ajudar é despertar do sonho.
P: Um despertador é necessário.
Nisargadatta: O qual, novamente, está no sonho. O despertador significa o começo do fim. Não há sonhos eternos.

P: Mesmo quando não têm início?
Nisargadatta: Tudo começa com você. Que outra coisa não tem início?
P: Eu começo ao nascer.
Nisargadatta: Isso é o que lhe disseram. É assim? Viu-se a si mesmo iniciando?
P: Eu inicio agora mesmo. Tudo o mais é memória.
Nisargadatta: Correto. O que não tem início começa sempre. Do mesmo modo, eu dou eternamente porque nada tenho. Ser nada, ter nada, não guardar nada para si mesmo é o maior presente, a mais elevada generosidade.
P: Não resta nenhum interesse próprio?
Nisargadatta: Certamente estou interessado em mim mesmo, mas o eu é tudo. Na prática, toma a forma de boa vontade, universal e inesgotável. Pode chamá-la amor que abarca tudo, que redime tudo. Tal amor é supremamente ativo – sem a sensação de fazer."
Nisargadatta Maharaj em Neider ignorance nor illusion

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