Sobre o Ego e a Entrega - Osho 1/2

"A primeira coisa a lembrar sobre a entrega é: você não pode fazê-la; a entrega não é um fazer. Você pode evitar o seu acontecimento, mas você não pode fazer com que ela ocorra. 

Ela está além do alcance de nosso fazer. O poder que temos sobre a entrega é apenas negativo: temos o poder de impedi-la, mas não temos o poder de fazer com que ela aconteça.

Entregar-se não é algo que você possa fazer. Se você puder, não se trata de entrega, porque o fazedor está presente. A entrega/rendição é um grande entendimento de que “eu não sou”. 
A rendição é uma visão (insight) de que o ego não existe, de que “eu não estou separado”. A entrega não é um ato, mas uma compreensão.

Em primeiro lugar você é falso, a separação é falsa. 
Nem por um único momento você pode existir separado 
do universo. 
A árvore não pode existir se estiver desenraizada/desligada da terra. A terra não pode existir se o sol desaparecer amanhã. A árvore não pode existir se água não estiver chegando às suas raízes. A árvore não pode existir se não puder respirar. A árvore está enraizada em todos os cinco elementos – aquilo que os budistas denominam Skandhas. Avalokita... quando Buda chegou à visão transcendental, depois de ter passado por todos os estágios e ter ido além do mundo – de lá ele olhou para trás – o que ele viu? Ele viu apenas cinco agregados (acúmulos, combinações) com nada de substancial neles, apenas o vazio, shunyata.

A árvore não poderia existir sem que esses cinco elementos estivessem constantemente vertendo energia para ela. A árvore é apenas uma combinação desses cinco elementos. Se árvore começar a pensar “eu sou”, então haverá miséria para ela. E ela criaria um inferno para si mesma. Mas as árvores não são assim tão tolas, elas não carregam qualquer mente. 

Elas estão lá, e se amanhã elas desaparecerem, então simplesmente desapareceram. Elas simplesmente não se apegam, porque não existe um “alguém” para apegar-se. 

A árvore está constantemente entregue à existência. Por “entrega” quero dizer que ela nunca está separada, que nunca ocorreu a ela essa ideia estúpida de ego. 
E assim são os pássaros, as montanhas, as estrelas. Foi somente o homem que transformou a sua grande oportunidade de estar consciente para um estado de consciência-de-si-mesmo. Ser simplesmente consciente, ao invés de consciente de si mesmo – é disto que estou falando.

O ser humano é dotado de consciência. Se a consciência floresce e se expande, ela pode trazer-lhe a maior felicidade possível. Mas se alguma coisa
der errado e a consciência azedar, convertendo-se em consciência-de-si-mesmo, então um inferno é criado, a miséria é criada. Ambas as alternativas estão sempre abertas; cabe a você escolher.



A primeira coisa a ser entendida sobre o ego é que ele não existe. Ninguém existe na separação. Você é tão UM com o universo como eu sou, como Buda é, como Jesus é. Eu sei disso, você não sabe disso ainda. A diferença é apenas de reconhecimento. A diferença não é existencial, absolutamente não é! Assim, o que você tem de fazer é olhar e investigar essa ideia estúpida de separação. 

Agora, perceba que ao tentar se entregar você ainda está carregando a ideia de separação. Você está pensando “eu vou me entregar, agora eu vou me render”. Na entrega não existe nenhum “eu” – mas você pensa que existe. Isso arruinará todos os seus esforços.Explorando e investigando detalhadamente a ideia de separação, um dia você descobre que não está separado; assim, como você pode se entregar? Não há ninguém para se render! Nunca houve! Aquele que realiza a entrega simplesmente não existe, não está em lugar nenhum. Se você for para dentro de si mesmo, não encontrará em parte alguma um “eu” que possa se render. 

Esse é o momento em que afinal ocorre a rendição. Quando o “eu” que realiza a entrega não é encontrado (porque chegou-se à compreensão de que ele não existe), esse é o momento em que ocorre a entrega. Você não pode fazer. 
Se puder fazê-lo, trata-se de uma coisa falsa. E da falsidade decorre somente mais falsidade. 
Ao carregar a ideia “eu existo, eu sou” você é falso; por isso qualquer coisa que vier a fazer também será falsa. E uma falsidade leva à outra, que por sua vez conduz à outra, e assim por diante. Dentre todas a falsidade mais fundamental é o ego, a ideia “eu estou separado”.

Você diz: “eu me entrego para poder alcançar o meu objetivo.”
O ego está sempre orientado para um objetivo. É sempre ganancioso, está sempre se agarrando a algo. Ele está sempre em busca de mais e mais e mais; é essa ideia de “mais” que sustenta a vida do ego. 
Se você tem dinheiro, ele almejará ter mais dinheiro; se você tiver uma casa, ele desejará ter uma casa maior; se você tem uma mulher, o ego desejará uma mulher ainda mais bela. O ego sempre quererá mais. 

Ele tem uma fome incessante. O ego vive no futuro e no passado. Quando o ego está vivendo no passado, ele vive como um colecionador – “eu tenho isto, mais isto e aquilo outro”. Ele sente uma grande satisfação. “Eu tenho isto” – poder, prestígio, dinheiro. Essas coisas conferem um tipo de realidade 
a ele. Elas dão a ele a noção de que “se eu possuo estas coisas, então eu devo estar ali”; devido a tais coisas o ego consegue dizer “eu existo”. E quando o ego está vivendo no futuro, ele o faz através da ideia de “mais, mais e mais”. Assim, ele vive da memória e também do desejo.

O que é um objetivo? É um desejo: “eu tenho que chegar lá, tenho que ser aquilo, tenho que alcançar.” O ego não consegue viver no presente, porque o presente é real e o ego é irreal – eles nunca se encontram. O passado é irreal, simplesmente não existe mais. O passado já foi real, mas enquanto ele estava presente o ego não estava lá. Tão logo tenha desaparecido, ele perde a qualidade de ser existencial, e o ego imediatamente passa a colecionar e a acumulá-lo. O ego agarra e acumula coisas mortas. O ego é um cemitério: recolhe cadáveres e ossos mortos.

Ou ego também vive no futuro. Mais uma vez, o futuro também é não existencial; o futuro ainda não é – é apenas imaginação, fantasia, sonho. O ego também pode viver através disso muito facilmente. Uma falsidade harmoniza-se muito bem com outra falsidade; todas as falsidades combinam perfeitamente. Traga qualquer coisa existencial e o ego logo desaparece. 

Por isso a insistência para que você esteja no presente, no aqui e no agora. Apenas este momento... Se você for inteligente, poderá dispensar todo e qualquer pensamento acerca do que agora estou falando, perceberá que aquilo sobre o qual estou discorrendo não é para ser pensado ou analisado, mas simplesmente visto com intensidade e totalidade neste exato momento. Uma visão intensa, alerta, penetrante, focada, direta, imediata, abrangente, total... e onde está o ego? Há apenas um grande silêncio, nenhum passado existe, nenhum futuro existe, apenas este momento está aqui. Então 
este momento “é” e você “não é”. 

Permita (autorize) que este momento seja e você não seja. Sentirá um silêncio imenso, um silêncio profundo, dentro e fora. E então não haverá nenhuma necessidade de se entregar, pois você se alinhou com a verdade de que na realidade você não existe, você não é – apenas o momento presente é. Essa compreensão em si realiza a entrega. Entregar-se significa compreender verdadeiramente que você “não é”.

Não é uma questão de que você tenha de entregar-se a mim, ou de que você tenha que entregar-se a Deus. Não é sequer uma questão de que você tenha de entregar-se, absolutamente. A entrega é um insight, uma compreensão de que “eu não sou”. Percebendo que “eu não sou, eu sou um nada, eu sou um vazio”, a entrega aumenta cada vez mais. A flor da entrega cresce na árvore da vacuidade. Ela jamais pode estar orientada para o cumprimento de um objetivo.


Na natureza do ego é estar orientado para um objetivo. Ele anseia pelo futuro. Ele pode ansiar até mesmo pela outra vida, pode ansiar pelo céu, 
pelo nirvana. Não importa aquilo pelo qual o ego anseia – ansiedade é sempre ansiedade, desejo é sempre desejo, tudo isso está sendo projetado no 
futuro.

Perceba isso! Perceba de uma só vez a totalidade do mecanismo da mente. Eu não estou dizendo “pense sobre isto”. Se você pensar, terá errado o alvo. Novamente, o pensar tem a ver com o passado e futuro. Olhe atentamente para isso, e perceba! Faça isso, e faça agora! Não diga a si mesmo: “ok, farei depois que chegar em casa”. Se você adiar, o ego apareceu, o objetivo surgiu, o futuro entrou. Todas as vezes que você envolver o tempo, estará caindo na armadilha da separação.

Permita que o momento esteja aqui, apenas este momento. E então você percebe o que você é – você está aqui, você não vai a lugar algum, e você não está vindo de lugar nenhum. Você sempre esteve aqui. 
Aqui é o único momento, o único espaço. Agora é a única existência. É neste Agora que existe a rendição." [ continua...]

Osho em The Heart Sutra

Segunda parte clique aqui 

Comentários

  1. O que é um objetivo? É um desejo: “eu tenho que chegar lá, tenho que ser aquilo, tenho que alcançar.” O ego não consegue viver no presente, porque o presente é real e o ego é irreal – eles nunca se encontram.

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