A crise é essencial - Osho


"O ser humano está sempre em crise. Ele é crise...constante, que não é acidental, mas essencial. O próprio ser das pessoas consiste de crise, daí a ansiedade, a tensão e a angústia. O ser humano é o único animal que se desenvolve, que se move, que se transforma, que não nasce completo, fechado ou como uma coisa, mas como um processo. Ele está em aberto, seu ser consiste em tornar-se e esta é a crise. Quanto mais ele se torna mais ele é.

O ser humano não pode tomar a si mesmo como algo garantido, do contrário a pessoa se estagna e vegeta, e a vida desaparece. A vida somente permanece quando a pessoa está se movendo de um lugar a outro; a vida é este movimento entre dois lugares. Não se pode ficar vivo num só lugar - esta é a diferença entre algo morto e um fenômeno vivo. Uma coisa morta permanece no mesmo lugar; ela é estática. A coisa viva se move - não apenas se move, mas salta, pula. A coisa morta permanece sempre no conhecido, e o fenômeno vivo segue se movendo do conhecido para o desconhecido , do familiar em direção ao não-familiar; esta é a crise. O ser humano é o mais vivo.

Você precisa continuar a se mover. O movimento cria problemas, pois ele significa que você precisa seguir morrendo para aquilo que você conhece, para o passado, que é familiar, confortável e aconchegante. Você o viveu, ganhou experiência, aprendeu muito com ele; agora não há perigo nele; ele se ajusta a você e você se ajusta a ele. Mas o ser humano precisa se mover, precisa continuar a aventura. Você é uma pessoa somente quando continuamente prossegue nesta aventura do conhecido ao desconhecido.

A mente se apega ao passado, pois ela é o passado. Mas seu ser deseja ir além do passado, deseja investigar. Seu ser tem um descontentamento intrínseco que eu chamo de descontentamento divino. Tudo que você tem, você consumou isso; tudo o que você é, você consumou isso. Você deseja ter aquilo que você não tem e ser aquilo que você não é. O ser humano tateia no escuro à procura de mais ser, de um novo ser, de um ser mais rico.

Não é correto dizer que o ser humano nasce num dia e more num outro. Isso é verdadeiro em relação aos outros animais, mas não em relação ao ser humano. Animais nascem um dia - eles têm um nascimento - e então um dia morrem. O ser humano está constantemente morrendo e constantemente nascendo. Cada momento é uma morte e um nascimento. Nele, a morte e o nascimento não são opostos, mas são como duas asas de um pássaro, complementares, uma ajudando a outra. 
A morte simplesmente ajuda o nascimento a acontecer. A morte segue limpando o terreno, de tal modo que o passado possa cessar e o futuro possa ser; a morte está a serviço do nascimento. Na verdade não está correto chamá-los de dois momentos. Trata-se de um processo visto de dois ângulos diferentes.

É como um portão, de um lado é a entrada e do outro é a saída; ou como a respiração: a mesma respiração entrando é chamada de inspiração e a mesma respiração saindo é chamada de expiração; trata-se da mesma respiração.

A morte é a expiração, o nascimento é inspiração. O nascimento é a entrada, a morte é a saída, mas é a mesma energia de vida, a mesma onda. O ser humano precisa morrer a cada momento e precisa estar pronto para renascer repetidas vezes. Entre essa constante morte e renascimento, está a vida, entre esses dois está o intervalo que é a vida. A vida está entre o passado e o futuro, neste pequeno intervalo chamado "presente". Ele não tem duração, ele existe sem qualquer duração. O passado tem duração e extensão; o futuro tem duração e extensão. O presente não tem duração; ele simplesmente existe... ele é atômico. Entre o passado, o longo passado e o longo futuro existe um intervalo. Conhecem esse intervalo apenas aqueles que prosseguem constantemente morrendo e renascendo, pois eles passam repetidamente através dele. Sempre que se está disposto a passar por esse intervalo, encontra-se uma crise.

A crise é que a mente naturalmente deseja se apegar ao conhecido, ao familiar; ela é eficiente nisso. De alguma forma, ela aprendeu, e a aprendizagem foi árdua; agora de repente, você se move e toda aquela aprendizagem é perdida e nunca será de novo relevante e eme nenhuma outra situação terá qualquer significado. Ela somente pode ter significado na situação na qual você viveu. Apegue-se a ela, diz a mente.

Mas o ser não pode ser contido pela mente; ele é infinito e a mente é uma abertura bastante pequena. O ser é como o céu - ele não poder ser contido nela. A mente é muito estreita e o ser deseja sair dela, deseja crescer e se tornar mais e mais amplo. O ser deseja ir ao recanto mais distante da existência; ele é uma aventura, ele deseja arriscar - esta é a crise.

E cada pessoa precisa encarar essa crise. Existem duas alternativas: devido ao medo você pára de morrer para o passado e fica estagnado. As pessoas chamam suas estagnações de segurança e proteção, mas essas duas são apenas racionalizações para permanecerem estagnadas. Elas se tornam poças ao invés de rios, se encolhem e jamais conhecem a satisfação do fluir. A satisfação é apenas um subproduto do fluir. Quando o rio flui, há satisfação, há dança, há canção. Quando sua vida flui de um espaço para outro, há satisfação - a excitação do novo.

Pode-se permanecer seguro e protegido com o passado, pode-se evitar a crise, e é isso que milhões de pessoas decidiram. Mas então elas permanecem medíocres e imbecis e apenas envelhecem e não amadurecem. Elas ficam estagnadas; suas vidas se tornam um deserto e elas jamais chegam a ver o oceano. Somente quando se chega a conhecer e a entrar no oceano é que se sabe o que é bem-aventurança. O ser humano precisa continuamente abandonar o passado e continuar a procura; ele precisa alimentar e nutrir a sua busca.

Mas o ser humano inventou muitas e muitas coisas para evitar isso; ele inventou muitas filosofias.(...)
O problema real é somente um: como seguir continuamente morrendo para o passado? Como continuar a permanecer corajoso o suficiente para tomar uma nova vida a cada momento? Como continuar a nascer? Este problema é evitado pela filosofia; ela fala sobre Deus, sobre o que é a verdade, sobre a criação, sobre o céu e inferno e sobre mil outras coisas; (...)

A filosofia distrai, a teologia engana e a arte decora e consola. A arte é uma espécie de unguento, quando que o necessário é uma cirurgia, não um unguento. Ela é consoladora, mas não transformadora.(...)

Deus não é permanente.Deus é desconhecido. Mesmo aqueles que o conheceram não o conhecem. Quando eles o conhecem, sabem somente uma coisa; que chegaram ao desconhecido. E esta é a beleza.

E Deus não é permanente. Certamente ele é eterno, mas não permanente. Mas a eternidade é um fluxo. Deus está mais na flor do que na estátua que você venera no templo. Ele está presente em cada momento, em cada morte, em cada nascimento.

Deus é mudança, é crise, é caos.(...)
Mudança é Deus, pois somente a mudança é eterna.(...)

A verdadeira religião não está preocupada com nada além desta vida. Ela investiga esta vida e encontra o além. A outra realidade não está em algum outro lugar, mas oculta nesta realidade. Esta realidade é a outra realidade! A diferença está na sua visão; se você tiver profundidade, verá que esta realidade é a outra realidade. Isto é aquilo! Este significado do famoso dizer dos Upanixades: Swetketu, vós sois aquele, Tatwamasi, Swetketu.

Deus está presente em tudo, é a profundidade de tudo - deixe-nos dizê-lo desta maneira. Deus é a profundidade da rosa, da rocha, do homem e da mulher, do amor, da tristeza, da alegria... Deus significa profundidade. E se você sabe como viver profundamente...você só saberá como viver profundamente se prosseguir constantemente morrendo para o passado e nascendo no futuro. Entre esses dois acontece a profundidade e o seu ser se aprofunda. De repente a porta se abre e você pode ver aquilo que é. Por um momento a mente não está mais funcionando e é abandonada. A nova mente ainda não nasceu e você pode ver a verdade como ela é. Logo a nova mente nascerá, e no momento em que ela nasce ela começa a envelhecer; novamente você terá de abandoná-la. Isso eu chamo de meditação.

Meditação é uma maneira de encarar a crise real da vida, de encarar o próprio crescimento e as dores crescentes."
Osho em A Sabedoria das Areias

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