Tantas mentes, tantos mundos - Osho


"A aparência das coisas é imposta ao eu. Eliminando-a, 
o eu se torna o Brahman absoluto, íntegro, sem igual e sem ação.
A aparência do eu, sob o aspecto do mundo da divisão, é falsa porque aquilo que não muda, 
que não tem órgãos, não é divisível.(...)
O eu consciente é livre do sentimento do observador, da observação e do observado. 
É inocente e pleno como o oceano.
Assim como as trevas destroem a luz, assim, a causa da ilusão se dissolve no Supremo que não tem igual. E, dado que o Supremo não tem órgãos, como poderia ser divisível?
Dado que a realidade superior é una, como haveria divisões?
No sono profundo, sem sonhos, sushupti, só existe a bem-aventurança.
Poderia ela por acaso, ser dividida?"

~Adhyatma Upanishad ~

Este Upanishad, em essência, se insurge contra a mente. Mas, não apenas ele; todas as lições do Upanishad se insurgem contra a mente.

Na verdade, a religião se opõe à mente, porque a mente cria toas as ilusões, todos os sonhos. Ela cria tudo aquilo que chamamos de mundo. A mente é o mundo; esforce-se por compreender essa verdade, que é uma das verdades fundamentais.

Em geral, pensamos estar vivendo todos num mundo só. Isso é absolutamente falso. Você vive em seu mundo, eu vivo no meu mundo; quantos mundos houver, outras tantas mentes haverá. Cada mente é um mundo próprio. Minha mente cria meu mundo; sua mente cria seu mundo.

O poeta vive em seu próprio mundo. O cientista nunca entra nesse mundo, não pode entrar. O cientista e o poeta podem ser vizinhos, mas constituem polos opostos. O cientista atravessa um jardim e olha para flor, mas essa flor não é vista. Ele olha para a estrutura da flor, não para a própria flor. Ele não consegue ver a flor do poeta,, nunca. Quando o cientista olha para uma flor, o que enxerga é um fenômeno químico. Esse fenômeno representa um mistério para ele, mas um mistério pode ser decodificado. É desconhecido, mas não incognoscível. Será conhecido - se não hoje, então amanhã, mas sempre é um mistério que pode ser desmistificado. A razão é capaz de penetrar sua estrutura e descobrir o que essa flor é e como desabrocha: a estrutura material, a estrutura atômica pode ser conhecida, penetrada. Portanto, a flor nunca é um mistério para o cientista do mesmo modo, que é um mistério para o poeta.

Quando o poeta passeia pelo jardim e olha aquela flor, não vê a mesma flor que o cientista viu. Entendamos bem isso. A mesma flor é olhada por duas mentes - uma com atitude científica, a outra com atitude poética. A flor é e não é uma só porque o cientista pensa numa flor diferente - química, elétrica, material estrutural. Pensa em termos de átomos: pensa em como essa flor é o que é. Qual o seu mecanismo? De que modo esse mecanismo funciona?

O poeta não liga de modo algum para átomos, matéria, moléculas, mecanismos, estruturas. Não, o poeta aprecia a beleza, de que o cientista nunca se dá conta. O poeta se dá conta de um certo mistério a que chama de beleza, mistério que não é o mesmo e que, para ele, jamais poderá ser desvendado. Se puder, não é mistério.
Para o poeta, mistério significa aquilo que permanecerá incognoscível. (...) O incognoscível é aquilo que não pode ser conhecido - nunca! Aos olhos do poeta, uma flor permanecerá para sempre misteriosa. Esse mistério é a sua beleza e a beleza não tem estrutura; a beleza não tem moléculas, átomos, mecanismo. O que é a beleza? Algo imaterial, não material - que na verdade, o poeta não vê, mas sente.

Podemos levar também, a passear no jardim, um místico - um santo, um sufi, um monge zen. Para ele, a flor não é nem uma estrutura científica a ser compreendida, analisada e conhecida, nem beleza, sensação poética, estética. Não: um místico, ao observar uma flor, se torna a própria flor. As barreiras se dissolvem. A flor não está lá e o místico aqui - aqui e lá se tornam uma só coisa. Por isso, o místico pode dizer: "Desabrochei em você."
A divisão não está presente. O místico penetra no próprio espírito da flor - ou a flor penetra no místico, tornado-se uma só coisa com ele. Um sentimento de unicidade, de unicidade divina, desce sobre o místico.
O cientista se aproxima da flor por meio do intelecto; o poeta se aproxima da flor por meio do coração; e o místico se aproxima da flor por meio de sua totalidade, de sua plenitude. A flor é e não é a mesma porque três mentes criam três mundos e esses mundos nunca se encontram. O poeta não poderá jamais entender que de que flor o cientista está falando. O cientista não poderá jamais entender o poeta, que lhe parece pueril, absurdo; nem o místico, que para ele é um louco: "O que quer dizer com isso de se tornar você próprio a flor? Ficou maluco? Como pode alguém se transformar numa flor? E como pode uma flor se transformar em alguém?. A ciência depende da divisão, por isso o mundo não dividido do místico é uma insensatez; o místico é louco.(...)

Se você escrever qualquer coisa em linguagem poética, ninguém conseguirá traduzi-la. Com a prosa é diferente, pois a prosa é racional. A poesia não pode ser traduzida porque é a expressão do irracional , em que o importante são os sentimentos e as emoções.
Quanto ao místico, à sabedoria dos místicos, também isso não se pode traduzir. É que essa sabedoria nada tem a ver com a linguagem; tem a ver com o ser, com a totalidade. Buda olhando o mundo diz palavras intraduzíveis. Por quê? Porque o olhar de Buda é tão vasto, tão abrangente que nenhuma palavra é capaz de exprimir o que ele vê. (...)

Você pode viver com sua esposa por quarenta, cinquenta anos - mas já reparou que não há uma linguagem comum entre ambos? O marido diz uma coisa, a esposa entende outra. Vivem juntos há quarenta, cinquenta anos - qual é então o problema? Por que não são capazes de entender as palavras e as definições do cônjuge? É difícil: cada qual tem sua mente; E cada mente tem seu próprio mundo, de modo que  tudo quanto penetrar nele assume forma e cor próprias. O marido tem seu mundo e o que diz significa alguma coisa de acordo com sua maneira de pensar. Quando suas palavras penetram no mundo da esposa, transformam-se em outra coisa. Os dois mundos nunca se encontram.

Só existe encontro onde existe silencio; não existe encontro onde existe conversa. Por isso o amor é silencioso. Quando amamos alguém não falamos, apenas estamos presentes um para o outro. A conversa cessa.

Portanto lembre-se: quando dois amantes começam a falar, já não há amor entre eles. Quando ficam em silencio, o amor existe - no amor, podem entender-se muito bem. Por quê? Porque no amor, a mente não tem permissão para estar. A linguagem se ausenta, a conversa essa, não se proferem mais palavras - a mente deixou de funcionar. Por alguns poucos instantes, ela não funciona e o amor se torna comunhão.
A conversa acaba desandando em debate, discussão, controvérsia. Você diz uma coisa e o outro entende outra coisa. Dizer algo é ser mal compreendido porque você tenta se aproximar de um mundo diferente, com diferentes atitudes, diferentes orientações, diferentes linguagens. Não existe um mundo único: tantas mentes, tantos mundos.

Por que insistir nessa postura? Apenas diga a si mesmo que, na verdade, existe um mundo só, ao qual, no entanto você só terá acesso depois de sua mente se dissolver. Se continuar apegado à sua mente, continuará criando seu próprio mundo, projetando seu próprio mundo. Quando a mente já não existe, você encontra a unicidade, a existência divina e indiferenciada.

Essa existência é bem-aventurança.
Essa existência é consciência.
Essa existência é verdade.

Sempre que você se mover rumo à religião, se moverá ruma à não mente. Jogue fora a mente e permaneça sem mente, mas consciente. Se permanecer sem mente e consciente, penetrará na camada profunda da existência.
No entanto, lembre-se: permanecer sem mente não é o bastante, pois no sono profundo, sem sonhos, todos ficamos sem ela.
A psicologia indiana divide a consciência humana em três etapas: o sono com sonhos; acima deste, o sono com sonhos; e na superfície, a vigília. De manhã você se levanta da cama e entra no estado de vigília. Á noite, vai para a cama e entra no estado de sono com sonhos. Mais tarde, os sonhos desaparecem, e você mergulha no abismo do sono sem sonhos - conhecido como sashupti.
No sonho sem sonhos não há mente porque não há pensamento, sonho ou agitação; tudo cessa, a mente se dissolve e você fica sem mente. Daí, a recomendação: " Estejam atentos e não pensem." Essa é a única diferença entre samadhi e sushupti. Samadhi é o ponto mais alto do êxtase e sushipti, o centro mais profundo do sono sem sonhos. Não há outra diferença; em tudo o mais são uma coisa só. Em sushipti, não há mente; em samadhi não há mente. Em sushupti você está inconsciente. Em samadhi, você está totalmente consciente. A consciência, porém é a mesma. Em um estado há trevas; no outro, há luz.

Graças à meditação, mergulhamos num sono sem sonhos e, ainda assim, permanecemos alertas. Quando isso acontece, a gota cai no oceano e se transforma em oceano."
Osho em Os Upanishads, a essência de seus ensinamentos.

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