O sagrado 108 do Yoga - Pedro Kupfer


"O amigo praticante sabe que o 108 é um número sagrado no Yoga: tradicionalmente, se fazem 108 repetições de um mantra ao meditar, ou 108 ciclos da saudação ao sol em práticas especiais. Também sabe que asjapamālās, terços para meditação, têm 108 contas.

Ainda, que na espiritualidade da Índia, tanto no hinduísmo quanto no budismo, existem templos com 108 degraus, rituais onde se usam 108 yantras (diagramas para meditação), ou cerimônias onde há 108 altares para fazer oferendas ao fogo sagrado.

Há listas de 108 nomes que apontam para as diferentes manifestações do poder de cada deus hindu, e outros tantos caminhos para conecer cada um deles. O budismo menciona 108 virtudes que devem ser cultivadas e outras tantas imperfeições do caráter que precisam ser superadas para se alcançar o nirvāṇa, a iluminação.

Chegou a se perguntar qual é a razão disso? Embora várias interpretações tenham sido dadas, a mais convincente provém do jyotiśa, a tradição de observação dos astros da idade védica.

Os sábios daquele tempo, chamados ṛṣis, não somente praticavam Yoga, mas eram igualmente atentos observadores da natureza, que sempre perceberam como manifestação da ordem de Īśvara, a Consciência Ilimitada sempre presente, em tudo e em todos.

Eles compreenderam e nos legaram a visão dessa ordem, invariável e presente em todos os lugares, bem como perceberam as correlações e correspondências, entre as diferentes dimensões da criação, do infinitamente grande ao infinitesimalmente pequeno. Essas as correlações são chamadas bandhu, em sânscrito, e admitem em muitos casos expressões numéricas. O 108 é um deles.

108 ciclos até o sol.

Assim, esses sábios de outrora, através de observações a olho nu, chegaram à conclusão que em termos de diâmetro solar, a distância aproximada entre o sol e a terra é de 108 vezes o diâmetro do sol.

Descobriram também que a distância média entre a lua e a terra é de 108 vezes o diâmetro lunar. Esses valores se obtêm através de simples constatações visuais: colocando uma vara no chão e afastando-se dela 108 vezes a sua altura, aprecia-se o diâmetro aparente do sol ou da lua.

Essa é a razão pela qual o 108 é considerado sagrado, e pela qual as japamālās que mencionamos acima possuem 108 contas. 


Simbolicamente, completar uma volta de japamālā na meditação equivale a fazer uma jornada até o sol, fonte e origem da vida na terra. Por outro lado, como parte da correspondência entre o que está embaixo e o que está acima, 108 é o número que representa a região intermediária, chamada em sânscrito antarīkṣa, que fica entre o céu e a terra.

Desta forma, as 108 contas do terço de meditação representam o número equivalente de degraus que nos levam de volta ao Absoluto, de volta para casa. Esse passeio ritual é muito característico da cultura védica, berço do Yoga e é visível nas peregrinações a lugares sagrados como o Monte Kailash, no Tibete, considerado a moradia do deus Śiva, criador do Yoga, bem como em todo passeio em volta dos templos, que se faz completando um círculo em sentido horário em volta do sanctum santorum, o altar principal.

O alfabeto sânscrito e suas vibrações.

Além disso, há ainda outro motivo importante para considerar especial este número: 108 é o dobro de 54, o total das letras do alfabeto sânscrito. Se fazem 108 repetições de um mantra, ou do sūrya namaskār, a saudação ao sol, pois isso equivale, simbolicamente, a um passeio ritual aos limites da criação, com seu respectivo retorno.

Garuḍa é a águia mítica que serve de montaria ao deus Viṣṇu. Seu nome significa “asas da eloquência”, pois elas não são compostas de plumas, mas das sílabas do alfabeto sânscrito. Assim os 54 sons do sânscrito e os significados para os quais eles apontam são como as asas que nos permitem voar até todos os cantos da criação e, conhecendo a nós mesmos, conhecer tudo o que há para ser conhecido.

Diz a esse respeito a Chāṇḍogya Upaniṣad: “Conhecendo um único pote de argila, todos os objetos feitos desse material tornam-se conhecidos”.

Essa jornada chama-se parikrāma, circunvolução, e se faz tradicionalmente tanto nos templos como nas peregrinaçòes aos tīrthas, lugares sagrados da Índia. Interiormente, o yogi faz parikrāma no início de uma meditação ou no yoganidrā, levando a atenção sucessivamente para cada parte do seu corpo.

Munidos desse conhecimento, na próxima vez que nos depararmos com este número, poderemos lembrar que ele representa a jornada do caminhante em direção ao Absoluto. Com isso, a nossa caminhada poderá ficar mais significativa e inspiradora. Namaste!"


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